terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Dificuldade em reconhecer diplomas de pós-graduação emitidos no exterior

Acadêmicos brasileiros enfrentam uma situação comum - a dificuldade em reconhecer diplomas de pós-graduação emitidos no exterior.

Quando defendeu sua tese de doutorado em uma das universidades mais tradicionais da Espanha, em 2004, o professor Roberto Patrus não tinha ideia de como seria complicado fazer o reconhecimento do seu diploma no Brasil. Embora obtido com louvor e válido em toda a União Europeia, o título só foi aceito no País após quatro anos de tentativas e rejeições em duas universidades. "As instituições brasileiras não tinham áreas de equivalência com o tema da minha tese e se recusaram a analisar o meu processo", afirma o docente, que se especializou em ética empresarial.
A revalidação foi conquistada graças ao acaso. Uma professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) usava publicações de Patrus em sua turma de mestrado, o que abriu portas para o reconhecimento do diploma ali. O processo, porém, foi cansativo. "Cheguei a me arrepender de ter feito esse doutorado."

A experiência de Patrus ilustra uma situação comum para muitos acadêmicos brasileiros - a dificuldade em reconhecer diplomas de pós-graduação emitidos no exterior. Para conseguir o título de mestre ou doutor no Brasil, é preciso que o diploma estrangeiro seja validado no País. O trâmite é feito obrigatoriamente por instituições de ensino que tenham programas de especialização reconhecidos pela Capes, órgão responsável pela avaliação dos cursos de pós-graduação no Brasil. "Muitas universidades brasileiras encaram os programas internacionais como 'concorrentes'. Do ponto de vista acadêmico, é uma insensatez", afirma a professora Maria Cecilia Coutinho de Arruda, da Fundação Getulio Vargas de São Paulo.

As instituições, no entanto, não conseguem atender a todos os pedidos de análise. "O destaque internacional do Brasil e a crise na Europa fizeram aumentar a procura por equivalência de diplomas na pós-graduação", afirma Arnaldo Carlos Alves, secretário de administração acadêmica da Universidade de Brasília (UnB), que determinou um limite de analisar apenas seis processos para cada programa. "Em áreas como direito e educação, já não há mais vagas para o primeiro semestre", diz.

O problema está relacionado à falta de professores para avaliar os pedidos, o que torna difícil cumprir o prazo máximo de seis meses definido pelo Ministério da Educação. Na UnB, aproximadamente 20% dos pedidos ultrapassam esse tempo. Na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o prazo médio é de 6 a 8 meses, mas pode chegar até a um ano. Em 2011, a instituição reconheceu 76 diplomas de mestrado e doutorado, um crescimento de 80% em relação a 2007.

"As pessoas não gostam de ouvir que leva tanto tempo, mas o procedimento é individualizado. Cada caso passa por uma comissão específica, que equivale a uma banca", afirma o pró-reitor de pós-graduação da Unicamp, Euclides de Mesquita Neto. "O professor que faz esse trabalho também tem outras atividades e não recebe nada a mais por isso", diz José Batista Neto, diretor do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

O processo de revalidação, porém, começa bem antes disso. Até chegar a uma instituição de ensino local, o candidato precisa legalizar os documentos relativos ao curso na embaixada ou consulado brasileiro do país de origem e fazer traduções juramentadas de itens como histórico, diploma e até mesmo a dissertação ou tese - o que custa tempo e dinheiro.

A burocracia para reconhecer o mestrado finalizado há mais de 30 anos foi um desafio para o coordenador regional de RH do CNPq, Eduardo Barroso. Em 2009, ele decidiu tentar reconhecer o curso que fez na Suíça e terminou em 1981, para conseguir um adicional em seu salário como funcionário público. "Precisei apresentar até mesmo documentos como o passaporte que usei na época com os carimbos de entrada e saída no país. Por sorte, tinha tudo guardado", conta. O pedido, feito na Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), passou por quatro professores, gerou um dossiê de 87 páginas e foi indeferido. Barroso recorreu à última instância, o conselho universitário, apelou ao reitor da instituição e teve seu título revalidado um ano depois.

Outra dificuldade para o reconhecimento dos diplomas de pós-graduação é a falta de equivalência entre os cursos oferecidos no exterior e os programas brasileiros. "É um contrassenso. Muitos acadêmicos decidem estudar fora porque não encontram aqui programas na área em que desejam se especializar, como foi o meu caso", afirma Roberto Patrus.

José Batista Neto, da UFPE, afirma que essa equivalência é necessária, uma vez que a tese ou dissertação precisa ser analisada por professores que dominam o tema. "É fundamental ter competência no assunto para poder julgar", diz. Euclides de Mesquita Neto, da Unicamp, explica que parte da dificuldade em reconhecer diplomas de mestrado, especialmente os emitidos na Europa, está no fato de que a estrutura acadêmica dos países da região não é a mesma do Brasil. "Lá, o bacharelado tem cerca de três anos de duração. No entendimento das universidades brasileiras, alguns mestrados (masters) europeus são uma espécie de complemento da graduação".

Esse posicionamento, porém, não é bem-aceito pelos países europeus. Em um evento de pós-graduação internacional realizado recentemente em São Paulo, Claire Morel, do Diretório de Educação e Cultura da Comissão Europeia, reclamou da dificuldade do reconhecimento de créditos e títulos no País. "Fizemos uma pesquisa com brasileiros que estudaram na Europa e descobrimos que a maioria nem sequer tenta validar seus diplomas em razão dos custos e da burocracia". Já o diretor de relações internacionais da Capes, Márcio de Castro Silva, disse que as universidades não estavam preparadas para o aumento no número de pedidos - em 2011, o órgão, que também atua como agência de fomento para estudantes brasileiros no exterior, concedeu 8.700 bolsas de estudo, 26% a mais que em 2010.

A esperança das instituições é de que o programa Ciência sem Fronteiras, do governo federal - que concede bolsas de estudo para acadêmicos em áreas como engenharias e tecnologia - gere mais recursos. "As universidades precisarão ampliar os recursos investidos e fazer um verdadeiro mutirão para aumentar o número de diplomas reconhecidos", afirma Euclides Neto, da Unicamp.

Segundo o procurador-geral da Capes José Tavares dos Santos, a instituição apoiou projetos de lei que reconheciam automaticamente os diplomas de estudantes financiados por agências oficiais de fomento. "O critério tem consistência, pois a seleção dos bolsistas é feita por especialistas qualificados, que conhecem os cursos ofertados no exterior. Mas a apreciação nesse caso não é tão rigorosa quanto nas universidades, que detêm a competência legal", diz.

Outra ação da Capes, segundo Santos, é o financiamento de intercâmbio e colaboração acadêmica entre instituições nacionais e estrangeiras. "É muito difícil ter um acordo bilateral de reconhecimento automático, pois isso limitaria a autonomia dos países e das universidades. As parcerias, contudo, permitem estreitar relações e abrem uma possibilidade de simplificar o processo."

A mudança no sistema atual, porém, ainda não é um consenso entre as universidades. "Isso prejudicaria a análise do mérito acadêmico", diz Euclides Neto, da Unicamp. Para ele, uma solução seria aumentar os investimentos e o pessoal dedicados à revalidação dos diplomas para acompanhar o crescimento da demanda. José Batista Neto, da UFPE, também acredita que o julgamento dos títulos deve se manter no formato atual. "Já tivemos trabalhos da mesma universidade que foram aprovados e reprovados".

Nesse cenário, programas de dupla ou tripla titulação ganham força entre profissionais que querem estudar no exterior, mas temem as dificuldades com a revalidação. Eles são resultados de parcerias de universidades brasileiras com instituições de ensino estrangeiras. É o caso da FGV/SP, que oferece mestrado profissional em administração em acordo com quatro escolas em diferentes países - no fim do curso, o aluno recebe o título de mestre e um diploma de MBA internacional. "Parte do curso é feita em uma escola estrangeira filiada. Outra vantagem é que o aluno não precisa passar tanto tempo fora nem se afastar do mercado brasileiro", afirma a professora Maria Cecilia Arruda.









 comentário

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Geração C de conectados

O nome "geração Y" é dado àqueles nascidos a partir das décadas de 70 ou 80. No entanto, nunca se criou um termo para determinar os jovens que vieram depois dessa turma, que já nasceram em um mundo com excesso de conteúdo, onde a socialização e o compartilhamento de experiências se dão através de dispositivos móveis ou conectados à internet. Por isso, a Nielsen, empresa de pesquisas digitais, criou o termo "Geração C" para rotular esse pessoal.

O grupo representa jovens que têm entre 18 e 24 anos de idade, definidos pela conectividade digital. Esse grupo já representa 23% da população dos EUA, segundo o Mashable. Essa fatia populacional é responsável por assistir a 27% dos vídeos online, constituir 27% dos visitantes de redes sociais, possuir 33% dos tablets, usar 39% dos smartphones e representar 23% dos telespectadores de televisão.

A Nielsen ainda fez um gráfico mostrando divisões sexuais, etárias e étnicas sobre cada um dos segmentos citados. No caso dos telespectadores de televisão, por exemplo, o infográfico mostra que pessoas brancas assistem mais TV que as negras e asiáticas. Também aponta que mulheres assistem mais vídeos online que os homens.

A Nielsen diz que "a posse e o uso de dispositivos conectados faz com que a geração C seja composta por consumidores únicos e incríveis, representando desafios e oportunidades para os fabricantes e provedores de conteúdo. A geração C está se engajando em novas maneiras de se comunicar e nelas, há mais pontos de contato para os fabricantes os alcançarem".

Fonte: Olhar digital

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

A integridade acadêmica e científica na produção e comunicação de conhecimento...

Leitores do blog, eu recomendo a leitura e (re)leitura do artigo da profa. Maria Cristiane Barbosa Galvão que aponta reflexões que urge serem debatidas no contexto acadêmico-científico.
Vale a pena a leitura:

A INTEGRIDADE ACADÊMICA E CIENTÍFICA NA PRODUÇÃO E COMUNICAÇÃO DE CONHECIMENTO E INFORMAÇÃO EM SAÚDE [Fevereiro/2012]


O século XXI é marcado por intensa produção e comunicação de conhecimento e informação em saúde, todavia estes não possuem uma qualidade uniforme. Os problemas que afetam a integridade do conhecimento e da informação produzida em saúde são bastante variáveis e motivam a reflexão de pesquisadores e educadores ao redor do mundo. Serão aqui apresentados alguns deles, quais sejam, publicações fraudulentas, publicações duplicadas, autoria fraudulenta, pesquisas envolvendo seres humanos não autorizadas por comitê de ética em pesquisa e reuso acadêmico e científico não autorizado de dados e informações de sujeitos de pesquisa.

Publicações fraudulentas

As publicações fraudulentas são aquelas que, a fim de serem aceitas para publicação, omitem dados ou apresentam dados inventados ou alterados.

Seja o estudo de caráter quantitativo, qualitativo ou misto, os autores devem ter atenção na descrição metodológica, bem como na interpretação dos resultados a fim de garantirem possibilidade de reprodução do estudo por outros pesquisadores. Em qualquer circunstância, devem deixar claro ao leitor as limitações do estudo e sugestões para o desenvolvimento de futuras pesquisas que possam complementar ou aprofundar o estudo realizado.

Para evitar publicações fradulentas, os editores e os pareceristas de periódicos e reuniões científicas sempre que tiverem dúvida ou percepção de incompleteza de dados devem exigir dos autores, antes da aprovação e publicação do estudo, o detalhamento metodológico, incluindo o critério de inclusão e exclusão para composição da amostra estudada, o método de análise quantitativa ou qualitativa ou mista empregado na elaboração do estudo.

No rol das publicações fraudulentas estão presentes as publicações encomendadas, que foram desenvolvidas para atender interesses comerciais, com foco na venda de produtos ou serviços em saúde, sem que esta informação esteja explicitada ao leitor.

Segundo o Prof. Sergio Sismondo, do Departamento de Filosofia da Queen´s University, Canadá, é prática da indústria farmacêutica internacional a cooptação de renomados pesquisadores por variadas formas. Uma delas é quando a indústria farmacêutica desenvolve um estudo, escreve dezenas ou centenas de artigos sobre o referido estudo e convida um renomado pesquisador para assinar tais artigos como autor principal. Outro caso é quando a indústria farmacêutica financia com grande generosidade a participação de renomados pesquisadores em eventos nacionais ou internacionais a fim de que sejam divulgados determinados resultados de pesquisa de interesse comercial. Segundo Sismondo, a cooptação de prestigiosos pesquisadores ocorre de modo gradativo, iniciando por uma oferta de canetas, pagamento por palestras, pagamento de hospedagens e passagens aéreas e assim sucessivamente até que o pesquisador se consolide no papel de líder-chave de opinião entre os pares, passando a ser um disseminador das ideias provenientes da indústria farmacêutica. (GALVAO, 2011a)

A fim de diminuir tal problemática faz-se necessário que todos os autores apresentem em seus estudos, no início ou no fim do artigo, teses, dissertações, relatórios e apresentações em eventos, uma declaração de conflito de interesse que esclareça a origem dos recursos que subsidiaram o estudo, a publicação ou a participação no evento, bem como se os autores possuem algum tipo de relação formal ou informal com empresas que vendem produtos e/ou serviços em saúde em temáticas relacionadas ao estudo. Caso o estudo apresente mais de um autor, todos os autores devem declarar seus respectivos conflitos de interesse. Por questão de segurança, é conveniente que todos os editores, pareceristas, avaliadores e leitores exijam esta declaração em qualquer tipo de estudo, sobretudo, no contexto da saúde.

Spielmans e Parry (2010), em seu trabalho “Da medicina baseada em evidência para a medicina baseada em marketing” relatam casos mais complicados de publicações fraudulentas publicadas não exatamente por sua qualidade acadêmica ou científica, mas em decorrência de negociações entre autores, indústria farmacêutica e a indústria da informação. Dito de outra forma, há casos em que a indústria farmacêutica paga para que um periódico de grande prestígio aceite um artigo, já que tais veículos possuem grande influência sobre seus leitores e possuem potencial de incrementar a venda de produtos e/serviços em saúde. Desse modo, infelizmente, nem todos os artigos publicados em prestigiosos periódicos pautam-se por integridade científica e acadêmica, motivo pelo qual as revisões sistemáticas são de grande importância no contexto da saúde. As revisões sistemáticas são estudos que analisam um conjunto de outros estudos, reunindo evidências científicas que sustentem a eficácia ou não de uma tecnologia em saúde (medicamentos, procedimentos etc).

São ainda publicações fraudulentas aquelas que citam referências bibliográficas que não foram objetos de leitura ou análise, que citam sem necessidade ou que distorcem trabalhos publicados a fim de sustentar ou reforçar hipóteses ou resultados encontrados. De forma geral, para que isto não ocorra é preciso um trabalho educacional amplo desde a infância, passando pela graduação e pós-graduação e educação contínua de pesquisadores sobre a temática “quando citar” (GARFIELD, 1996). No que se refere aos editores e aos pareceristas de periódicos e reuniões científicas, estes devem ter em conta que a análise do trabalho submetido à publicação ou ao evento deve ser minuciosa, considerando, por exemplo, se as referências bibliográficas citadas ao longo do estudo possuem coerência com a temática da pesquisa e se foram empregadas de forma pertinente.

Publicações duplicadas

Publicações duplicadas são aquelas publicadas em diferentes fontes de informação, geralmente, sem menção de que se trata de uma duplicação ou de uma nova versão alterada ou aperfeiçoada de versão já publicada. Publicações com títulos diferentes e conteúdos idênticos ou semelhantes também são duplicadas. Uma outra forma de duplicação é o que Abraham (2000) chama de “publicações salame”, ou seja, pesquisas que foram divididas em unidades mínimas e publicadas em diferentes artigos, quando poderiam ser sintetizadas em um único artigo. Neste caso, o leitor precisa localizar e ler vários artigos do mesmo autor para entender o estudo completo.

Os motivos que levam à duplicação de publicações são variados, como o desejo dos autores de ganharem duplo crédito pelo trabalho, incrementando suas produtividades acadêmicas ou científicas. No caso das “publicações salame”, os autores ganham discretamente múltiplos créditos por um único estudo.

Outra situação que pode levar à duplicação é quando vários autores participaram igualmente de um estudo e todos ambicionam ser o primeiro autor do estudo, encontrando na duplicação um caminho fácil para resolver o impasse por meio da rotatividade dos autores em cada duplicação realizada. Situação que também pode levar à duplicação é quando existe uma necessidade, pertinência ou facilidade para divulgar a pesquisa para diferentes audiências potencialmente interessadas na temática (GALVAO, 2012).

De modo geral, pode-se dizer que a duplicação afeta a reputação e integridade acadêmica e científica de seus autores na medida em que incrementa o trabalho de todos aqueles que organizam, sistematizam e usam informação no contexto da saúde. No entanto, em alguns casos a duplicação pode ser aceitável. São eles:

a) Quando os autores apresentaram o trabalho em um evento e apenas o resumo do trabalho está disponível seja em suporte papel seja em suporte eletrônico, faz sentido a publicação integral do trabalho em periódico científico a fim de que o estudo esteja disponível para todos;

b) Quando os autores apresentaram o trabalho em um evento e o evento publicou a versão integral do trabalho, faz sentido nova publicação integral do trabalho em periódico científico desde que sejam incluídos aperfeiçoamentos no texto, bem como seja esclarecido no texto que o trabalho deriva de outro já apresentado no evento X. Idealmente, já no processo de submissão, os editores de periódicos devem perguntar aos autores se o trabalho submetido é derivado de trabalho já publicado em evento e, independente de exigência do periódico, todos os autores devem explicitar no texto estas informações;

c) Quando o artigo foi publicado em periódico científico e os autores desejam apresentar o trabalho em um evento, faz sentido submissão ao evento desde que haja um esclarecimento de que a submissão ao evento é derivada de artigo já publicado. Idealmente, todos os eventos devem perguntar aos autores se o trabalho submetido é derivado de trabalho já publicado em periódico ou apresentado em outro evento. De igual modo, todos os autores devem explicitar no texto estas informações a fim de propiciar transparência no processo de submissão e aceitação do trabalho;

d) Quando os autores desejam publicar os resultados de um estudo para diferentes audiências, seja por meio da apresentação em diferentes eventos, seja por meio de publicação em diferentes periódicos, faz sentido a duplicação desde que o trabalho seja reformulado visando novo público-alvo e o autores esclareçam que o trabalho já foi apresentado em outro evento ou publicado em outro periódico.

Porém, em nenhum caso é aceitável a publicação de dois trabalhos idênticos ou que tenham apenas os títulos diferentes. (GALVAO, 2012)

Publicações com autoria fraudulenta

Publicações com autoria fraudulenta são aquelas nas quais nem todos os autores mencionados participaram da pesquisa ou nas quais foram omitidos os nomes dos autores que contribuíram efetivamente no desenvolvimento do estudo.

A inclusão de “autores” que não participaram da pesquisa na publicação pode se dar por diferentes razões como “gratidão” por empréstimo de equipamentos, laboratórios; sugestões e opiniões recebidas em algum momento do estudo; porque o estudo foi realizado com suporte econômico obtido por terceiros; porque o estudo se caracteriza por análise secundária de dados que originalmente foram coletados por outros; porque o autor incluído possui prestígio acadêmico ou científico; ou porque se deseja ajudar um “colega” cuja produtividade precisa ser melhorada. (GALVAO, 2012)

No caso de empréstimo de equipamentos, laboratórios, sugestões e opiniões recebidas, suporte econômico obtidos por outros pode-se incluir na publicação uma seção denominada “agradecimentos” onde se fará menção aos auxílios recebidos. O empréstimo ou a facilitação do processo investigativo não é suficiente para caracterizar a autoria do estudo (GALVAO, 2012). Também não caracteriza autoria a participação em coleta de dados, sem participação efetiva na interpretação dos resultados (VOLPATO, 2010).

São autores aqueles capazes de defender as ideias do estudo, que participaram efetivamente do estudo (VOLPATO, 2010) e que podem ser responsabilizados por eventuais erros existentes no estudo. Assim, não se deve incluir como autor um pesquisador levando-se em conta apenas o seu prestígio acadêmico ou científico. Igualmente, deve-se evitar o apoio acadêmico por meio do presente de autoria (GALVAO, 2012), pois tal presente pode se reverter contra o presenteador na medida em que pesquisadores podem ser competidores em concursos públicos ou quando demandam recursos a agências financiadoras. Faz-se notar que há casos conhecidos no meio acadêmico em que o empréstimo de nome redundou em processo judicial e retratação pública pelo fato do texto publicado incluir plágio e erro de citação, afetando sobremaneira a integridade e imagem de todos “os autores” envolvidos.

Também inclui-se na categoria de autoria fraudulenta as publicações que omitem referências bibliográficas e que não dão os créditos devidos a autores que já estudaram e publicaram sobre o assunto. Para se evitar este tipo de acidente, os editores, os avaliadores e os pareceristas de periódicos e reuniões científicas podem utilizar softwares identificadores de plágio que varrem por completo os textos e indicam quais parágrafos possuem potencial de terem sido copiados sem a referência bibliográfica devida. Já os autores devem realizar levantamentos bibliográficos pertinentes a fim de evitarem a duplicação de estudos e a omissão desnecessária de estudos anteriores.

Finalmente, a omissão do nome de autor que participou de todas as etapas da pesquisa (idealização, design, coleta de dados e interpretação dos resultados) pode ser entendida como furto intelectual visando vantagens potenciais advindas de trabalho inovador.

Pelo exposto, instituições que realizam pesquisas no contexto da saúde devem ter uma política clara de autoria, qualidade, uso e acessibilidade de dados, responsabilidade, segurança informacional, transparência, prestação de contas, integridade (KNOPPERS et al., 2011) e sistemáticas planejadas para a produção e comunicação dos resultados de pesquisa.

Publicações de pesquisas envolvendo seres humanos não aprovadas por comitê de ética em pesquisa

Mesmo que haja legislação a respeito (BRASIL, 2003), há publicações envolvendo seres humanos que não foram submetidas ou aprovadas por um comitê de ética em pesquisa ou que não obtiveram o consentimento esclarecido de seus sujeitos de pesquisa. Igualmente, há pesquisas que obtém autorização do comitê de ética em pesquisa para a realização de um determinado estudo, mas alteram o estudo inicial ou reutilizam os dados coletados em novos estudos sem comunicar ou demandar nova autorização ao comitê de ética em pesquisa ou de seus sujeitos de pesquisa (GALVAO, 2011b).

O fato é que toda e qualquer pesquisa envolvendo seres humanos, em qualquer área do conhecimento, requer aprovação por um comitê de ética. Igualmente, faz-se necessário que o ser humano incluído em um estudo na categoria de sujeito de pesquisa seja informado mediante um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e esteja de acordo com a participação no estudo (BRASIL, 2003).

A fim de se evitar publicações de pesquisas não aprovadas por comitê de ética em pesquisa, os editores e os pareceristas de periódicos e reuniões científicas devem exigir dos autores a inclusão, no artigo ou no trabalho submetido ao evento, do número do processo no qual a pesquisa foi aprovada pelo comitê de ética em pesquisa, o título do projeto que foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa, bem como o período de vigência para a realização do estudo aprovado. Pode-se também solicitar aos autores um documento comprobatório desta aprovação já durante o processo de submissão do artigo ou trabalho. Esta medida evitará que os autores apresentem números de processos não relacionados ao estudo que se pretende publicar.

Como recomendação geral aos autores, sugere-se que evitem a vulnerabilidade de tentar publicar um estudo não aprovado por um comitê de ética em pesquisa, já que este comitê, geralmente multidisciplinar e com representantes da sociedade civil, contribui para a correção de vieses da pesquisa que podem afetar fisicamente ou psicologicamente os sujeitos de pesquisa (BRASIL, 2006), sugerindo desenhos de pesquisa que melhor protejam a identidade e evitem a exposição desnecessária dos sujeitos de pesquisa (GALVAO, 2011c).

Conclusões

Embora, no cenário nacional e internacional, haja uma onda pelo incremento quantitativo da publicação de artigos, no contexto da saúde, tal incremento somente será útil se acompanhado de princípios de integridade acadêmica e científica, já que a publicação desonesta leva ao desperdício de recursos, toma tempo dos leitores, e, no campo da saúde, tem grande potencial de expor vidas a riscos evitáveis.

Diante dos desafios apresentados, os profissionais da informação têm, ao menos, duas saídas possíveis: a) delegar aos autores e editores a responsabilidade pela qualidade e integridade pelos dados, conhecimentos e informações produzidos e publicados no contexto da saúde; b) assumir posições pró-ativas no processo de produção e comunicação de dados, conhecimentos e informações no contexto da saúde. Na opção b, vislumbram-se várias possibilidades para a atuação do profissional da informação, dentre elas:

·                    profissionais da informação que integram projetos de pesquisa em saúde e que são responsáveis pelo fluxo informacional do projeto deste o planejamento do projeto, passando pelos processos de coleta, organização e segurança de dados, realização de levantamentos bibliográficos ou coordenação de revisões sistemáticas, gestão e supervisão dos trabalhos a serem publicados;
·                    profissionais da informação que promovem ações (cursos, disciplinas, oficinas, seminários) em instituições de pesquisa ou ensino com foco em alunos de graduação, pós-graduação, pesquisadores e profissionais da saúde, tendo em vista a produção e a comunicação de conhecimentos e informações em saúde com maior incremento da integridade acadêmica e científica;
·                    profissionais da informação que atuam em equipes interdisciplinares de editoras, periódicos científicos ou em comissões avaliadoras de reuniões científicas no contexto da saúde a fim de analisar trabalhos tendo em vista parâmetros mínimos de qualidade e integridade;
·                    profissionais da informação que realizam a seleção de artigos científicos pautados não somente no fator de impacto de periódicos (GARFIELD, 2006) ou no índice h de pesquisadores (HIRSCH, 2005), mas que considerem em cada artigo se as informações apresentadas estão suficientemente esclarecidas ao leitor no que diz respeito a metodologia do estudo, conflito de interesse, autoria, duplicação e aprovação por um comitê de ética em pesquisa.

Finalmente, observa-se que os casos aqui apresentados não são exaustivos. Þenda, Duran e Fraser (2012), em estudo sobre a desonestidade no meio acadêmico, apresentam uma grande lista de tipos de desonestidade acadêmica que merecem uma análise mais detalhada, como a sabotagem de trabalhos desenvolvidos por outros ou como a disponibilização não autorizada de pesquisas em andamento ou concluídas em ambiente eletrônico, dentre outros.

Referências

ABRAHAM, P. Duplicate and salami publications. J Postgrad Med., v.46, p.67-9, 2000.

BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. Normas para pesquisa envolvendo seres humanos: Res. CNS nº 196/96 e outras. 2. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2003. 64 p. (Série Cadernos Técnicos – CNS. Série E. Legislação de Saúde – MS)

____.____.. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Ciência e Tecnologia. Capacitação para Comitês de Ética em Pesquisa: CEPs. Brasília: Ministério da Saúde, 2006. 2v. (Série F. Comunicação e Educação em Saúde)

GALVÃO, M.C.B. Síntese da conferência “Key opinion leaders: valuing independence and conflict of interest in the medical sciences” ministrada pelo Prof. Sergio Sismondo no Centre Interuniversitaire de Recherche sur la Science et la Technologie, em Montreal, no dia 21 de outubro de 2011. Montreal : s. ed. 2011a.

____. Síntese das discussões realizadas no evento “Coordinate This: Ethical Dilemmas in Clinical Research Workshop” promovido pelo McGill University Health Centre, em Montreal, no dia 4 de novembro de 2011. Montreal : s. ed., 2011b.

____. Síntese das discussões realizadas no evento “Ethical Issues in Qualitative Research Workshop” promovido pelo McGill University Health Centre, em Montreal, no dia 17 de novembro de 2011. Montreal : s. ed., 2011c.

____.Síntese das discussões realizadas no evento “Academic Integrity Day” promovido pelos Graduate and Postdoctoral Studies, and Teaching and Learning Services da McGill University, em Montreal, no dia 26 de janeiro de 2012. Montreal : s. ed., 2012.

GARFIELD, E. The history and meaning of the Journal Impact Factor. JAMA, v.295, n.1, p. 90-93, 2006.

____.When to cite. Library Quarterly, v.66, n.4, p.449-58, 1996.

HIRSCH, J. E. An index to quantify an individual's scientific research output. PNAS, v.102, n.46, p.16569-16572, 2005.

KNOPPERS, B.M et al. Towards a data sharing code of conduct for international genomic research. Genome Medicine, v.3, n.7, p.46, 2011.

ŞENDA, S., DURAN, M., FRASER, M. R. Surveying the extent of involvement in online academic dishonesty (e-dishonesty) related practices among university students and the rationale students provide: One university's experience. Computers in Human Behavior, 2012. (artigo em processo de publicação)

SPIELMANS, G.I.; PARRY, P.I. From evidence-based medicine to marketing-based medicine: evidence form internal industry documents. Journal of Bioethical Inquiry, v. 7, n. 1, p. 13-29, 2010.

VOLPATO, G. Curso de redação científica. Botucatu : UNESP, 2010. Disponível em: http://propgdb.unesp.br/redacao_cientifica/index.php Acesso em: fevereiro de 2012.

Como citar este texto

GALVAO, M.C.B. A integridade acadêmica e científica na produção e comunicação de conhecimento e informação em saúde. 23 de fevereiro de 2012. In: Almeida Junior, O. F. Infohome [Internet]. Londrina: OFAJ, 2012. Disponível em: http://www.ofaj.com.br/colunas_conteudo.php?cod=662

Fonte: www.ofaj.com.br

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Universidade e inserção social, artigo de Frei Betto

Compartilho com os leitores do Blog Informação em Cena um artigo de autoria do Frei Betto (publicado no Jornal da Ciência).
Considero suas palavras bastantes significativas e dignas de reflexão, que promovam mudanças de atitudes dos nossos governantes, dos reitores das IFES e de toda a sociedade.
Vale a pena ler.




Por que dizemos universidade e não pluriversidade? Trata-se de uma instituição que comporta diferentes disciplinas. Multicultural, nela coabita a diversidade de saberes. O título universidade simboliza a sinergia que deveria existir entre os diversos campos do saber. Característica lamentável em nossas universidades, hoje, é a falta de sinergia. Carecem de projeto pedagógico estratégico. Não se perguntam que categoria de profissionais querem formar, com que objetivos, de acordo com quais parâmetros éticos.

Ora, quando não se faz tal indagação é o sistema neoliberal, centrado no paradigma do mercado, que impõe a resposta. Não há neutralidade. Se o limbo foi, há pouco, abolido da doutrina católica, no campo dos saberes ele nunca teve lugar. Um cristão acredita nos dogmas de sua Igreja. Mas é no mínimo ingênuo, senão ridículo, como assinala o filósofo Hilton Japiassu, um mestre ou pesquisador acadêmico crer no propalado dogma da imaculada concepção da neutralidade científica.

Em que medida nossas instituições de ensino superior são verdadeiramente universidades, ou seja, se regem por uma direção, um enfoque dialógico, um projeto pedagógico estratégico? Ou se restringem a formar profissionais qualificados destituídos de espírito crítico, voltados a anabolizar o sistema de apropriação privada de riquezas em detrimento de direitos coletivos e indiferente à exclusão social?

A universidade, como toda escola, é um laboratório político, embora muitos o ignorem. E a política, como a religião, comporta um viés opressor e um viés libertador. Como diria Fernando Sabino, são facas de dois legumes... Um dos fatores de desalienação da universidade reside na extensão universitária. Ela é a ponte entre a universidade e a sociedade, a escola e a comunidade.

As universidades nasceram à sombra dos mosteiros. Esses, outrora, eram erguidos distantes das cidades, o que inspirou a ideia de campus, centro escolar que não se mescla às inquietações cotidianas, onde alunos e professores, monges do saber, vivem enclausurados numa espécie de céu epistemológico. Como assinalava Marx, dali contemplam a realidade, tranquilos, agraciados pelas musas, encerrados na confortável câmara de uma erudição especializada que pouco ou nada influi na vida social.

Essa crítica à universidade data do século 19, quando teve início a extensão universitária. Em 1867, a Universidade de Cambridge, Inglaterra, promoveu um ciclo de conferências aberto ao público. Pela primeira vez, a academia abria suas portas a quem não tinha matrícula, o que deu origem à criação de universidades populares.

Antonio Gramsci estudou numa universidade popular na Itália. A experiência o fez despertar para o conceito de universidade como aparelho hegemônico que se relaciona com a sociedade de modo legitimador ou questionador. Para ele, uma instituição crítica deveria, por meio dos mecanismos de extensão universitária, produzir conhecimentos acessíveis ao povo.

Na América Latina, antes de Gramsci houve o pioneirismo da reforma da Universidade de Córdoba, em 1918. A classe média se mobilizou para que as universidades controladas pelos filhos dos latifundiários e pelo clero se abrissem a outros segmentos sociais. Fez-se forte protesto contra o alheamento olímpico da universidade, sua imobilidade senil, seu desprezo pelas carências da comunidade do entorno.

A proposta de abrir a universidade à sociedade alcançou sua maturidade, na América Latina, no 1º Congresso das Universidades Latino-Americanas, reunido na Universidade de San Carlos, na Guatemala, em 1949. O documento final rezava: "A universidade é uma instituição a serviço direto da comunidade, cuja existência se justifica enquanto desempenha uma ação contínua de caráter social, educativo e cultural, aliando-se a todas as forças vivas da nação para analisar seus problemas, ajudar a solucioná-los e orientar adequadamente as forças coletivas. A universidade não pode permanecer alheia à vida cívica dos povos, pois tem a missão fundamental de formar gerações criadoras, plenas de energia e fé, consciente de seus altos destinos e de seu indeclinável papel histórico a serviço da democracia, da liberdade e da dignidade dos homens".

Sessenta e dois anos depois do alerta de San Carlos, neste mundo hegemonizado por transnacionais da mídia mais interessadas em formar consumistas que cidadãos, nossas universidades ainda não priorizam o cultivo dos valores próprios de nossas culturas nem participam ativamente do esforço de resistência e sobrevivência de nossa identidade cultural - o que deveria se traduzir no empenho para erradicar a miséria, o analfabetismo, a degradação ambiental, a superação de preconceitos e discriminações de ordem racial, social e religiosa.