Publicações fraudulentas
As
publicações fraudulentas são aquelas que, a fim de serem aceitas para
publicação, omitem dados ou apresentam dados inventados ou alterados.
Seja
o estudo de caráter quantitativo, qualitativo ou misto, os autores
devem ter atenção na descrição metodológica, bem como na interpretação
dos resultados a fim de garantirem possibilidade de reprodução do estudo
por outros pesquisadores. Em qualquer circunstância, devem deixar claro
ao leitor as limitações do estudo e sugestões para o desenvolvimento de
futuras pesquisas que possam complementar ou aprofundar o estudo
realizado.
Para
evitar publicações fradulentas, os editores e os pareceristas de
periódicos e reuniões científicas sempre que tiverem dúvida ou percepção
de incompleteza de dados devem exigir dos autores, antes da aprovação e
publicação do estudo, o detalhamento metodológico, incluindo o critério
de inclusão e exclusão para composição da amostra estudada, o método de
análise quantitativa ou qualitativa ou mista empregado na elaboração do
estudo.
No
rol das publicações fraudulentas estão presentes as publicações
encomendadas, que foram desenvolvidas para atender interesses
comerciais, com foco na venda de produtos ou serviços em saúde, sem que
esta informação esteja explicitada ao leitor.
Segundo
o Prof. Sergio Sismondo, do Departamento de Filosofia da Queen´s
University, Canadá, é prática da indústria farmacêutica internacional a
cooptação de renomados pesquisadores por variadas formas. Uma delas é
quando a indústria farmacêutica desenvolve um estudo, escreve dezenas ou
centenas de artigos sobre o referido estudo e convida um renomado
pesquisador para assinar tais artigos como autor principal. Outro caso é
quando a indústria farmacêutica financia com grande generosidade a
participação de renomados pesquisadores em eventos nacionais ou
internacionais a fim de que sejam divulgados determinados resultados de
pesquisa de interesse comercial. Segundo Sismondo, a cooptação de
prestigiosos pesquisadores ocorre de modo gradativo, iniciando por uma
oferta de canetas, pagamento por palestras, pagamento de hospedagens e
passagens aéreas e assim sucessivamente até que o pesquisador se
consolide no papel de líder-chave de opinião entre os pares, passando a
ser um disseminador das ideias provenientes da indústria farmacêutica.
(GALVAO, 2011a)
A
fim de diminuir tal problemática faz-se necessário que todos os autores
apresentem em seus estudos, no início ou no fim do artigo, teses,
dissertações, relatórios e apresentações em eventos, uma declaração de
conflito de interesse que esclareça a origem dos recursos que
subsidiaram o estudo, a publicação ou a participação no evento, bem como
se os autores possuem algum tipo de relação formal ou informal com
empresas que vendem produtos e/ou serviços em saúde em temáticas
relacionadas ao estudo. Caso o estudo apresente mais de um autor, todos
os autores devem declarar seus respectivos conflitos de interesse. Por
questão de segurança, é conveniente que todos os editores, pareceristas,
avaliadores e leitores exijam esta declaração em qualquer tipo de
estudo, sobretudo, no contexto da saúde.
Spielmans e Parry (2010), em seu trabalho “Da medicina baseada em evidência para a medicina baseada em marketing”
relatam casos mais complicados de publicações fraudulentas publicadas
não exatamente por sua qualidade acadêmica ou científica, mas em
decorrência de negociações entre autores, indústria farmacêutica e a
indústria da informação. Dito de outra forma, há casos em que a
indústria farmacêutica paga para que um periódico de grande prestígio
aceite um artigo, já que tais veículos possuem grande influência sobre
seus leitores e possuem potencial de incrementar a venda de produtos
e/serviços em saúde. Desse
modo, infelizmente, nem todos os artigos publicados em prestigiosos
periódicos pautam-se por integridade científica e acadêmica, motivo pelo
qual as revisões sistemáticas são de grande importância no contexto da
saúde. As revisões sistemáticas são estudos que analisam um conjunto de
outros estudos, reunindo evidências científicas que sustentem a eficácia
ou não de uma tecnologia em saúde (medicamentos, procedimentos etc).
São
ainda publicações fraudulentas aquelas que citam referências
bibliográficas que não foram objetos de leitura ou análise, que citam
sem necessidade ou que distorcem trabalhos publicados a fim de sustentar
ou reforçar hipóteses ou resultados encontrados. De forma geral, para
que isto não ocorra é preciso um trabalho educacional amplo desde a
infância, passando pela graduação e pós-graduação e educação contínua de
pesquisadores sobre a temática “quando citar” (GARFIELD, 1996). No que
se refere aos editores e aos pareceristas de periódicos e reuniões
científicas, estes devem ter em conta que a análise do trabalho
submetido à publicação ou ao evento deve ser minuciosa, considerando,
por exemplo, se as referências bibliográficas citadas ao longo do estudo
possuem coerência com a temática da pesquisa e se foram empregadas de
forma pertinente.
Publicações duplicadas
Publicações
duplicadas são aquelas publicadas em diferentes fontes de informação,
geralmente, sem menção de que se trata de uma duplicação ou de uma nova
versão alterada ou aperfeiçoada de versão já publicada. Publicações com
títulos diferentes e conteúdos idênticos ou semelhantes também são
duplicadas. Uma outra forma de duplicação é o que Abraham (2000) chama
de “publicações salame”, ou seja, pesquisas que foram divididas em
unidades mínimas e publicadas em diferentes artigos, quando poderiam ser
sintetizadas em um único artigo. Neste caso, o leitor precisa localizar
e ler vários artigos do mesmo autor para entender o estudo completo.
Os
motivos que levam à duplicação de publicações são variados, como o
desejo dos autores de ganharem duplo crédito pelo trabalho,
incrementando suas produtividades acadêmicas ou científicas. No caso das
“publicações salame”, os autores ganham discretamente múltiplos
créditos por um único estudo.
Outra
situação que pode levar à duplicação é quando vários autores
participaram igualmente de um estudo e todos ambicionam ser o primeiro
autor do estudo, encontrando na duplicação um caminho fácil para
resolver o impasse por meio da rotatividade dos autores em cada
duplicação realizada. Situação que também pode levar à duplicação é
quando existe uma necessidade, pertinência ou facilidade para divulgar a
pesquisa para diferentes audiências potencialmente interessadas na
temática (GALVAO, 2012).
De
modo geral, pode-se dizer que a duplicação afeta a reputação e
integridade acadêmica e científica de seus autores na medida em que
incrementa o trabalho de todos aqueles que organizam, sistematizam e
usam informação no contexto da saúde. No entanto, em alguns casos a
duplicação pode ser aceitável. São eles:
a)
Quando os autores apresentaram o trabalho em um evento e apenas o
resumo do trabalho está disponível seja em suporte papel seja em suporte
eletrônico, faz sentido a publicação integral do trabalho em periódico
científico a fim de que o estudo esteja disponível para todos;
b)
Quando os autores apresentaram o trabalho em um evento e o evento
publicou a versão integral do trabalho, faz sentido nova publicação
integral do trabalho em periódico científico desde que sejam incluídos
aperfeiçoamentos no texto, bem como seja esclarecido no texto que o
trabalho deriva de outro já apresentado no evento X.
Idealmente, já no processo de submissão, os editores de periódicos
devem perguntar aos autores se o trabalho submetido é derivado de
trabalho já publicado em evento e, independente de exigência do
periódico, todos os autores devem explicitar no texto estas informações;
c)
Quando o artigo foi publicado em periódico científico e os autores
desejam apresentar o trabalho em um evento, faz sentido submissão ao
evento desde que haja um esclarecimento de que a submissão ao evento é
derivada de artigo já publicado. Idealmente, todos os eventos devem
perguntar aos autores se o trabalho submetido é derivado de trabalho já
publicado em periódico ou apresentado em outro evento. De igual modo,
todos os autores devem explicitar no texto estas informações a fim de
propiciar transparência no processo de submissão e aceitação do
trabalho;
d)
Quando os autores desejam publicar os resultados de um estudo para
diferentes audiências, seja por meio da apresentação em diferentes
eventos, seja por meio de publicação em diferentes periódicos, faz
sentido a duplicação desde que o trabalho seja reformulado visando novo
público-alvo e o autores esclareçam que o trabalho já foi apresentado em
outro evento ou publicado em outro periódico.
Porém,
em nenhum caso é aceitável a publicação de dois trabalhos idênticos ou
que tenham apenas os títulos diferentes. (GALVAO, 2012)
Publicações com autoria fraudulenta
Publicações
com autoria fraudulenta são aquelas nas quais nem todos os autores
mencionados participaram da pesquisa ou nas quais foram omitidos os
nomes dos autores que contribuíram efetivamente no desenvolvimento do
estudo.
A
inclusão de “autores” que não participaram da pesquisa na publicação
pode se dar por diferentes razões como “gratidão” por empréstimo de
equipamentos, laboratórios; sugestões e opiniões recebidas em algum
momento do estudo; porque o estudo foi realizado com suporte econômico
obtido por terceiros; porque o estudo se caracteriza por análise
secundária de dados que originalmente foram coletados por outros; porque
o autor incluído possui prestígio acadêmico ou científico; ou porque se
deseja ajudar um “colega” cuja produtividade precisa ser melhorada.
(GALVAO, 2012)
No
caso de empréstimo de equipamentos, laboratórios, sugestões e opiniões
recebidas, suporte econômico obtidos por outros pode-se incluir na
publicação uma seção denominada “agradecimentos” onde se fará menção aos
auxílios recebidos. O empréstimo ou a facilitação do processo
investigativo não é suficiente para caracterizar a autoria do estudo
(GALVAO, 2012). Também não caracteriza autoria a participação em coleta
de dados, sem participação efetiva na interpretação dos resultados
(VOLPATO, 2010).
São
autores aqueles capazes de defender as ideias do estudo, que
participaram efetivamente do estudo (VOLPATO, 2010) e que podem ser
responsabilizados por eventuais erros existentes no estudo. Assim, não
se deve incluir como autor um pesquisador levando-se em conta apenas o
seu prestígio acadêmico ou científico. Igualmente, deve-se evitar o
apoio acadêmico por meio do presente de autoria (GALVAO, 2012), pois tal
presente pode se reverter contra o presenteador na medida em que
pesquisadores podem ser competidores em concursos públicos ou quando
demandam recursos a agências financiadoras. Faz-se notar que há casos
conhecidos no meio acadêmico em que o empréstimo de nome redundou em
processo judicial e retratação pública pelo fato do texto publicado
incluir plágio e erro de citação, afetando sobremaneira a integridade e
imagem de todos “os autores” envolvidos.
Também
inclui-se na categoria de autoria fraudulenta as publicações que omitem
referências bibliográficas e que não dão os créditos devidos a autores
que já estudaram e publicaram sobre o assunto. Para se evitar este tipo
de acidente, os editores, os avaliadores e os pareceristas de periódicos
e reuniões científicas podem utilizar softwares identificadores de
plágio que varrem por completo os textos e indicam quais parágrafos
possuem potencial de terem sido copiados sem a referência bibliográfica
devida. Já os autores devem realizar levantamentos bibliográficos
pertinentes a fim de evitarem a duplicação de estudos e a omissão
desnecessária de estudos anteriores.
Finalmente, a omissão do nome de autor que participou de todas as etapas da pesquisa (idealização, design,
coleta de dados e interpretação dos resultados) pode ser entendida como
furto intelectual visando vantagens potenciais advindas de trabalho
inovador.
Pelo
exposto, instituições que realizam pesquisas no contexto da saúde devem
ter uma política clara de autoria, qualidade, uso e acessibilidade de
dados, responsabilidade, segurança informacional, transparência,
prestação de contas, integridade (KNOPPERS et al., 2011) e sistemáticas
planejadas para a produção e comunicação dos resultados de pesquisa.
Publicações de pesquisas envolvendo seres humanos não aprovadas por comitê de ética em pesquisa
Mesmo
que haja legislação a respeito (BRASIL, 2003), há publicações
envolvendo seres humanos que não foram submetidas ou aprovadas por um
comitê de ética em pesquisa ou que não obtiveram o consentimento
esclarecido de seus sujeitos de pesquisa. Igualmente, há pesquisas que
obtém autorização do comitê de ética em pesquisa para a realização de um
determinado estudo, mas alteram o estudo inicial ou reutilizam os dados
coletados em novos estudos sem comunicar ou demandar nova autorização
ao comitê de ética em pesquisa ou de seus sujeitos de pesquisa (GALVAO,
2011b).
O
fato é que toda e qualquer pesquisa envolvendo seres humanos, em
qualquer área do conhecimento, requer aprovação por um comitê de ética.
Igualmente, faz-se necessário que o ser humano incluído em um estudo na
categoria de sujeito de pesquisa seja informado mediante um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e esteja de acordo com a participação no estudo (BRASIL, 2003).
A
fim de se evitar publicações de pesquisas não aprovadas por comitê de
ética em pesquisa, os editores e os pareceristas de periódicos e
reuniões científicas devem exigir dos autores a inclusão, no artigo ou
no trabalho submetido ao evento, do número do processo no qual a
pesquisa foi aprovada pelo comitê de ética em pesquisa, o título do
projeto que foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa, bem como o
período de vigência para a realização do estudo aprovado. Pode-se também
solicitar aos autores um documento comprobatório desta aprovação já
durante o processo de submissão do artigo ou trabalho. Esta medida
evitará que os autores apresentem números de processos não relacionados
ao estudo que se pretende publicar.
Como
recomendação geral aos autores, sugere-se que evitem a vulnerabilidade
de tentar publicar um estudo não aprovado por um comitê de ética em
pesquisa, já que este comitê, geralmente multidisciplinar e com
representantes da sociedade civil, contribui para a correção de vieses
da pesquisa que podem afetar fisicamente ou psicologicamente os sujeitos
de pesquisa (BRASIL, 2006), sugerindo desenhos de pesquisa que melhor
protejam a identidade e evitem a exposição desnecessária dos sujeitos de
pesquisa (GALVAO, 2011c).
Conclusões
Embora,
no cenário nacional e internacional, haja uma onda pelo incremento
quantitativo da publicação de artigos, no contexto da saúde, tal
incremento somente será útil se acompanhado de princípios de integridade
acadêmica e científica, já que a publicação desonesta leva ao
desperdício de recursos, toma tempo dos leitores, e, no campo da saúde,
tem grande potencial de expor vidas a riscos evitáveis.
Diante
dos desafios apresentados, os profissionais da informação têm, ao
menos, duas saídas possíveis: a) delegar aos autores e editores a
responsabilidade pela qualidade e integridade pelos dados, conhecimentos
e informações produzidos e publicados no contexto da saúde; b) assumir
posições pró-ativas no processo de produção e comunicação de dados,
conhecimentos e informações no contexto da saúde. Na opção b,
vislumbram-se várias possibilidades para a atuação do profissional da
informação, dentre elas:
· profissionais
da informação que integram projetos de pesquisa em saúde e que são
responsáveis pelo fluxo informacional do projeto deste o planejamento do
projeto, passando pelos processos de coleta, organização e segurança de
dados, realização de levantamentos bibliográficos ou coordenação de
revisões sistemáticas, gestão e supervisão dos trabalhos a serem
publicados;
· profissionais
da informação que promovem ações (cursos, disciplinas, oficinas,
seminários) em instituições de pesquisa ou ensino com foco em alunos de
graduação, pós-graduação, pesquisadores e profissionais da saúde, tendo
em vista a produção e a comunicação de conhecimentos e informações em
saúde com maior incremento da integridade acadêmica e científica;
· profissionais
da informação que atuam em equipes interdisciplinares de editoras,
periódicos científicos ou em comissões avaliadoras de reuniões
científicas no contexto da saúde a fim de analisar trabalhos tendo em
vista parâmetros mínimos de qualidade e integridade;
· profissionais
da informação que realizam a seleção de artigos científicos pautados
não somente no fator de impacto de periódicos (GARFIELD, 2006) ou no
índice h de pesquisadores
(HIRSCH, 2005), mas que considerem em cada artigo se as informações
apresentadas estão suficientemente esclarecidas ao leitor no que diz
respeito a metodologia do estudo, conflito de interesse, autoria,
duplicação e aprovação por um comitê de ética em pesquisa.
Finalmente,
observa-se que os casos aqui apresentados não são exaustivos. Þenda,
Duran e Fraser (2012), em estudo sobre a desonestidade no meio
acadêmico, apresentam uma grande lista de tipos de desonestidade
acadêmica que merecem uma análise mais detalhada, como a sabotagem de
trabalhos desenvolvidos por outros ou como a disponibilização não
autorizada de pesquisas em andamento ou concluídas em ambiente
eletrônico, dentre outros.
Referências
ABRAHAM, P. Duplicate and salami publications. J Postgrad Med., v.46, p.67-9, 2000.
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____. Síntese
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____.Síntese
das discussões realizadas no evento “Academic Integrity Day” promovido
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VOLPATO, G. Curso de redação científica. Botucatu : UNESP, 2010. Disponível em: http://propgdb.unesp.br/redacao_cientifica/index.php Acesso em: fevereiro de 2012.
Como citar este texto
GALVAO,
M.C.B. A integridade acadêmica e científica na produção e comunicação
de conhecimento e informação em saúde. 23 de fevereiro de 2012. In:
Almeida Junior, O. F. Infohome [Internet]. Londrina: OFAJ, 2012. Disponível em:
http://www.ofaj.com.br/colunas_conteudo.php?cod=662
Fonte: www.ofaj.com.br
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